A carroça lotada não é sinônimo de renda na pandemia para quem depende da coleta de material reciclável. No dia 24 de maio, em Sorocaba, uma mulher que revirava o lixo debaixo de chuva em busca de comida para a família de 24 pessoas desencadeou uma campanha de voluntários focados em reverter a situação.

Segundo a Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT), em todo o país há aproximadamente 1 milhão de catadores. No estado de São Paulo, a instituição afirma que cerca de 50 mil pessoas dependem da atividade.

Não há números exatos, mas a estimativa da ANCAT é que 90% dos catadores tiveram a renda reduzida por conta da paralisação ou pela dificuldade de comercializar o material recolhido por conta da interrupção da cadeia da reciclagem e tiveram os salários, que varia de meio a um salário mínimo, diretamente afetados.

A família de Sorocaba, a qual mobilizou voluntários para ajudá-la, era totalmente dependente da coleta para viver. Ao todo, vivem juntos a dona Ângela Camargo, de 52 anos, o marido Gilberto Camargo, de 54, os filhos, que trabalham com reciclagem, genro, noras e os netos.

Na ocasião em que enfrentou a chuva em busca de comida, Ângela pediu a uma moradora que quando ela fosse levar o lixo também deixasse uma coberta ao lado da lixeira.

“Ali mesmo comecei a pensar em como ajudá-los, porque eles eram invisíveis. Ela disse que o sonho dela é ter uma casinha, com uma sala, poder assistir televisão. A situação da casa é muito precária, quando chove entra tanta água, eles perdem tudo, convivem com a água”, conta uma das voluntárias Ana Carolina Andrade Piccini.

30 anos de coleta

O casal é coletor de recicláveis há mais de 30 anos, segundo a voluntária. Atualmente, toda família mora em cinco pequenos casas em situação precária.

    “O teto tem buracos, as paredes estão rachadas, não tem piso, nem teto, não tem sistema de esgoto, apenas ‘fossas’ abertas no quintal.”

As crianças em idade escolar frequentam o ensino regularmente e são assistidas por programa social. Comovida com a situação, Ana Carolina foi até o endereço dos coletores e decidiu mobilizar com amigos uma campanha para conseguir colchões e comida para todos.

Durante uma conversa, o casal contou que não parou de buscar recicláveis mesmo em meio à pandemia para não “perder” os condomínios que tinham fechado acordo.

O lixo separado em casa traz menos renda para coletores, mas era a única fonte de dinheiro. Eles afirmam que eram pagos cerca de 12 centavos por quilo.

Ao manter o trabalho na pandemia de coronavírus, sem comida em casa, os membros da família ficaram expostos a um alto índice de contágio por recolherem um lixo caseiro.

"A gente tem que fazer uma tonelada de papelão para dar R$ 250, é muito material", disse Gilberto.

Segundo a ANCAT, objetos como plásticos podem estar contaminados por até 5 dias, assim como o papel, papelão e vidro. Já uma lata de alumínio o vírus pode sobreviver por até 8 horas. A entidade também mobiliza uma campanha para trabalhadores da categoria.

A campanha ‘Família Camargo’

A ação começou em um grupo de amigos e tornou-se uma corrente do bem. A jovem contou sobre a história da família Camargo na web e conseguiu reunir um grupo com mais de 50 pessoas e doações que chegaram a R$ 40 mil até esta quarta-feira (17).

“Comecei uma vaquinha com a pretensão de pagar uma conta e hoje temos além de arquiteto, engenheiros, mão de obra e vamos reconstruir toda a casa deles”, comemora.

A grande quantidade de doações superou as expectativas dos voluntários e outras famílias estão sendo ajudadas com alimentos e objetos.

“É o que nos torna humanos, se alguém não se sensibiliza com essas pessoas. Agora, as crianças têm onde dormir, todas têm roupas de frio, cobertores, estamos deixando a dispensa sempre cheia. Ainda há muito a ser feito, mas não vamos desistir.”

Com pouco menos da metade do valor esperado para a construção da casa, a campanha para arrecadação continua. Não há data para a entrega do imóvel.

G1