Do G1 - Os estudantes da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru (SP) se reuniram no campus da instituição para manifestações contra assédio sexual. Protestos aconteceram após cartazes serem expostos nos corredores com imagens que mostram supostas conversas em rede social entre um professor e uma aluna nesta sexta-feira (1º).

 

Os cartazes mostram mensagens que teriam sido enviadas pelo professor Marcelo Magalhães Bulhões, do departamento de Ciências Humanas. Uma delas diz: “a verdade é que nosso desejo não passa”.

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Formandas levaram cartazes para denunciar assédio de professores na Unesp de Bauru — Foto: Reprodução/Facebook

Uma aluna, que preferiu não se identificar, participou da manifestação que começou às 19h e durou cerca de duas horas. Durante todo o período, segundo ela contou, os estudantes ocuparam vários espaços do campus.

“Começamos em frente à sala que ele daria aula nesta sexta-feira, na Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC). Algumas alunas se pronunciaram junto ao movimento estudantil e ao movimento feminista. Tivemos alguns depoimentos de ex-graduandos, inclusive uma de 2013 que falou que aquilo já acontecia”, lembrou.

Depois, a aluna comentou que os alunos seguiram em direção à Faculdade de Engenharia de Bauru (FEB), ainda dentro da universidade, para convidar mais estudantes para o manifesto. A estudante lembra que gritavam frases como "assédio aqui não".

“O corredor todo cheio, estimo cerca de 100 a 200 pessoas. Tem muita gente ciente disso. O que a gente mais ouviu das falas são meninas que lembram que no primeiro dia de aula foram avisadas para tomar cuidado com o professor Marcelo Bulhões”, ressalta.
Estudantes da Unesp protestam contra professor após acusações de assédio sexual

Para a aluna, é revoltante saber que o professor já esteve impune de outras acusações e processos instaurados na Unesp. Por enquanto, a universidade emitiu uma nota de posicionamento que reforça a necessidade de acolhimento, mas não confirmou a abertura de uma nova sindicância administrativa.

“Nas aulas ele sempre teve falas de conotação sexual. Ele aborda o audiovisual e às vezes ouvimos ele falar ‘nem posso ver essa cena que me dá gatilho’ ou então ‘essa cena é muito quente’. Então, em algumas aulas as meninas com medo sentavam ao fundo e os meninos à frente. Esse desconforto já foi passado para o conselho do curso. E continuamos pressionando para que um novo processo seja aberto”, pontuou.

Para a estudante, manifestações como esta são de suma importância para reforçar que abusos e assédios sexuais não devem ser tolerados. Conforme ela disse, a universidade deveria ser um local seguro, já que muitos batalharam para estudar ali.

“Não devíamos ter medo de ter aula. É principalmente mostrar que temos muita força como estudante, somos mais de 6.000 na Unesp de Bauru. Nós temos voz, o movimento estudantil nunca parou e precisa cada vez mais engajar. Não podemos aceitar que isso aconteça”, finaliza.

A aluna confirmou que abriram uma petição com um pedido de exoneração do professor. No começo do protesto, segundo ela, eram 2.800 assinaturas e, às 11h deste sábado (2) a petição já contava com mais de 5 mil.

Na web

A mobilização não se restringiu apenas no ambiente da universidade. Na internet, tantos figuras públicas, políticas, alunos e ex-estudantes da Unesp se manifestaram contra o assédio e a conduta do professor.

Denúncias

A Unesp afirmou que vai investigar denúncias de assédio sexual feitas por alunos contra o professor Marcelo Bulhões. Questionado pelo g1, o docente nega as acusações (veja nota na íntegra abaixo).

Os cartazes, ainda no início da tarde desta sexta-feira, foram retirados do campus por uma equipe de segurança da instituição.

Essa não é a primeira vez que o professor Marcelo Bulhões é denunciado por assédio. Em 2017, segundo a Unesp, foi instaurada uma apuração preliminar na instituição para investigar as denúncias de assédio contra o docente.

Como procedimento, foi instaurada uma sindicância administrativa, finalizada em 2018. Ainda de acordo com a Unesp, uma comissão sindicante, à época, indicou o arquivamento dos autos com recomendações, tais como instauração de mecanismos para fomentar medidas educativas e elucidativas sobre assédio.

“A FAAC defende a dignidade humana e é pautada por princípios que visam garantir o respeito e convívio harmônico em quaisquer circunstâncias e locais, especialmente em sua ambiência acadêmico-laboral. Nesse sentido, afirma que não medirá esforços para colaborar com as soluções de qualquer fato oficialmente demandado, tomando as medidas cabíveis, seguindo os protocolos administrativos com ética, responsabilidade e transparência”, informou a nota técnica.
Universidade investiga denúncia de assédio sexual feita por alunos contra professor em Bauru — Foto: Arquivo pessoal

Universidade investiga denúncia de assédio sexual feita por alunos contra professor em Bauru — Foto: Arquivo pessoal

A diretora da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC) e presidente do grupo administrativo do campus, Fernanda Henrique, disse que uma nova sindicância administrativa deve ser aberta. Questionada sobre o andamento das aulas ministradas pelo professor, a diretora respondeu que devem ser suspensas.

A Unesp ainda relembrou que a formalização de denúncias pode ser feita pela Ouvidoria com garantia do anonimato para evitar a exposição das vítimas. Entre as medidas tomadas até então pela Unesp, estão as ações de combate à violência e ao assédio:

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Cartazes com denúncia de assédio sexual feitos por alunas contra professor foram expostos no campus da Unesp de Bauru — Foto: Arquivo pessoal

Nota de posicionamento de Marcelo Bulhões na íntegra:

"Foi com estarrecimento que fiquei sabendo que cartazes foram afixados no campus com teor acusatório a mim. Estou ainda chocado. De modo semelhante, foi com enorme e desagradável surpresa que em 2019, em postagem no Facebook, recebi uma acusação de assédio. Naquela altura, ao tomar conhecimento que um coletivo da Unesp havia feito acusações com esse teor, solicitei uma reunião com o grupo de alunas. Elas recusaram o diálogo. Solicitei essa reunião por, naquela altura, estar totalmente perplexo diante das acusações. Uma comissão de sindicância foi, então, constituída pela FAAC – Unesp. Após um processo de investigação, o arquivamento do processo se fez precisamente por afiançar que nenhuma ação do teor de assédio foi por mim cometida. No curso do processo, aliás, recebi depoimentos de incondicional apoio e elogio ao meu profissionalismo, escrito por dezenas de alunas que foram minhas orientandas (mestrado, doutorado e iniciação científica). Portanto, só posso afirmar que estou absolutamente estarrecido diante de uma situação que julgo absurda. Os cartazes, aliás, foram anonimamente forjados e afixados no campus. Sou docente da Unesp desde 1994, ou seja, trata-se de 28 anos de trabalho em sala de aula, tendo atuado ao lado de milhares de alunos, sem que qualquer mínimo indício concreto do que se pode ser classificado como assédio possa ser apontado. Atingem-me do modo mais vil. Entendo que legítimas e importantes demandas da atualidade – luta contra o racismo, movimento feminista – têm produzido uma mobilização de empatia diante de causas importantes. Nesse caso, todavia, estou sendo vítima de calúnia, cuja propagação em tempos digitais é implacável".

Protestos

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Estudantes da Unesp de Bauru protestam contra professor após acusações de assédio sexual — Foto: Arquivo pessoal

Ainda em 2018, as alunas da FAAC fizeram um protesto durante a cerimônia de formatura dos cursos de jornalismo, relações públicas e rádio e TV. Ao final do discurso do orador, elas levantaram cartazes em que pediram o fim do assédio na universidade referente ao mesmo professor.

Os cartazes traziam dizeres como "Unesp sem assédio", "FAAC sem assédio", "Alunas livres de assédio" e "Quero aula, não assédio". Em nota à imprensa, a Unesp afirmou que existia uma denúncia sobre o professor que estava "em processo de apuração".

À época, a página de um coletivo feminista da Unesp no Facebook destacou o protesto, realizado durante a cerimônia no dia 8 de março, Dia da Mulher, daquele ano.

Na postagem, o coletivo feminista afirmou que os canais de denúncias formais são pouco divulgados e que a apuração das denúncias é feita de forma lenta.

"Queremos melhorias nos canais de denúncia e no acolhimento de vítimas. Queremos investigações feitas com seriedade e cuidado. Queremos uma punição eficaz dos julgados culpados. Queremos um ambiente em que todas as pessoas possam falar abertamente do que sofreram sem medo de represálias. Queremos campanhas de prevenção e conscientização dos professores. Queremos um ambiente seguro para estudar."