Borboremense completa Jubileu de Diamantes cantando o Canto da Verônica

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Texto José Commandini Neto. Foto PASCOM - O Canto de Verônica, é um ritual tradicionalmente realizado durante a Semana Santa. Consiste em uma mulher, que transporta um avental no qual está impressa uma representação da face de Jesus Cristo, entoa um responsório e ao mesmo tempo em que entoa o canto, desenrola e exibe a estampa da face de Jesus.

Em Borborema essa tradição é mantida há 60 anos, pela senhora Maria Bontempo Gardelim. Dona Maria como é chamada em nossa cidade, nasceu em 07 de Julho de 1944 e canta o Lamento de Verônica desde 08 de abril de 1955.

Em entrevista a Folha de Borborema, a senhora Maria nos contou que o convite para aprender a cantar este lamento foi feito pelo Monsenhor Drº José Maria Alves, que dirigiu nossa paróquia de 1940 a 1962. Segundo ela, o canto era entoado pela jovem Julia Mourão que iria casar e deixar de cantá-lo, recebendo então dela a roupa e o sudário. “Padre Alves me propôs aprender a cantar, já que eu participava do coral da igreja matriz. No inicio eu cantava só em latim, quem me ensinou a cantar em português foi o Padre Pachielli”, revelou Maria. O Padre José Antonio Pachielli, dirigiu nossa paróquia de 1978 a 1981.

Quando questionada se foi difícil aprender a cantar em latim e se o padre José Maria era severo, ela nos contou que ele gostava das coisas certas, era rígido e concentrava as decisões nele, quanto ao aprendizado nos revelou que foi fácil, pois no Ginásio Estadual, atual escola Dom Gastão, ela tinha aulas de latim, lembrando que a escola era onde hoje se encontra a Prefeitura Municipal.

“Eu era criança e na minha primeira apresentação me senti feliz, por estar cantando sozinha, porque antes eu cantava num coro e agora me sentia livre para fazer mais pela igreja”, contou Maria sobre sua primeira apresentação. Ainda segundo ela, quando está cantando sua concentração é intensa, ela vê a multidão como se estivessem se afastando e deixa de sentir os pés, quando finaliza sente a presença calorosa de todos.

Atualmente dona Maria canta apenas na chegada da procissão luminosa, mas quando começou a percorrer as ruas de terra da cidade ela cantava em 12 esquinas, onde subia em cima de uma cadeira que era levada pelo senhor João Pinto. O canto da Verônica era entoado nos seguintes locais: Cine São José (atual Bradesco), Casa Perotta (atual Bar do Mizinho), Grupo Reunidas (atual Salvador Loja), Posto Texaco (atual Avenida Veículos), Casa Esperança (atual Clínica Santa Rita), na janela da Casa Mourão, Bar Torres (atual Toca do Lobo), Casa Kato (atual Agropec), Armazém do Luiz Cantarim (atual Droga Ada), Companhia de Energia Elétrica, Posto Esso (atual Posto Shell) e novamente na igreja matriz.

“Antigamente era o povo que conduzia o caixão que levava o Senhor Morto, formando filas para conduzi-lo, o andor também era rodeado de matracas”, relembra.

Nestes 60 anos dona Maria não se apresentou apenas três vezes, em uma delas na década de 90, devido a uma operação. Neste ano ela foi substituída pela jovem Ana Lúcia Penitente, que segundo nossa entrevistada, a jovem aprendeu rapidamente a cantar em português e latim, cantando lindamente, além de mostrar vontade e determinação, sendo a única além de dona Maria, a saber, cantar o Lamento de Verônica em latim. Ana se apresentou na Via-Sacra Viva e na sexta-feira santa.

A Folha de Borborema entrou em contato com Ana Lúcia e de imediato ela já nos falou que seria quase impossível se referir a essa grande mulher em algumas palavras, até porque ela já havia lhe ensinado tantas coisas. Mas que não poderia deixar passar em branco a oportunidade de agradecer a ela mais uma vez pelo momento maravilhoso quando a ensinou o “Canto da Verônica”.
Ana nos contou sobre essa experiência. “Lembro-me que nunca havia cantado em latim, assim como me lembro da dedicação dela ao me ensinar. Era uma situação muito difícil porque ela estava me ensinando justamente porque não poderia cantar naquele ano. Além do nervosismo de cantar para a cidade toda eu tinha que conter a emoção”, revelou. Ana falou também que a emoção era do momento que se vivia e de fazer parte de uma das cenas mais belas e que só essa grande mulher sabia fazer com maestria.

“E ela ficou ao meu lado o tempo todo me dando segurança. Nunca mais vou esquecer aquele momento, foi uma emoção muito grande sabe, de orgulho mesmo por fazer parte daquilo tudo. E quando ela me disse que cantei bem certinho, foi uma sensação que não dá pra descrever; fiquei muito feliz por ela ter gostado. Sei cantar ‘bunitinho’ até hoje. Enfim, nenhuma palavra conseguirá expressar a gratidão que tenho por ela”, afirmou emocionada. Para Ana, dona Maria é uma grande pessoa, é aquela que faz nascer dentro da gente um grande sentimento. “Muito obrigada por tudo”, agradece.

Como dona Maria começou a cantar ainda criança, perguntamos se suas apresentações na semana santa não haviam prejudicado seus relacionamentos e ela lembrou emocionada, que foi através do canto da Verônica que conseguiu converter seu marido, que ia vê-la cantar todos os anos. Maria se casou com Adelino Gardelim, na igreja matriz, em 17 de fevereiro de 1973, recebendo a benção do Padre Ugo Poli.

Em 2008, dona Maria completou 25 anos de apresentações na Via-Sacra Viva e a Prefeitura Municipal, através do prefeito Jorge Feres Junior e do Vice-Prefeito Vladimir Antonio Adabo, governantes na época; concederam a ela um Certificado de Mérito, a homenageando publicamente. Hoje dona Maria já completou 31 anos de apresentações na Via-Sacra, este ano ela não pode se apresentar na encenação devido compromissos assumidos anteriormente com uma romaria a Aparecida do Norte (SP).

Padre Pedro de Celso Gardini nos fala que a narrativa cristã da história de Verônica mostra um gesto nobre que consagrou essa mulher, como exemplo de compaixão a ser seguido. “A tradição conta que Verônica teria corrido até Jesus enquanto ele carregava a cruz e limpado o rosto dele cheio de sangue e suor. Quando retirou o avental, o rosto de Cristo ficou estampado no pano, que passou a ser chamado de Santo Sudário”, contou.

O canto entoado por dona Maria em nossa semana santa, segundo Padre Pedro, tem o intuito de anunciar que o homem que seria crucificado era o verdadeiro Cristo, assim como fez Verônica.

“Embora não haja nenhum registro na Bíblia quanto à figura desta mulher, a Igreja Católica, a Paróquia de Borborema e seus fiéis mantêm essa tradição, tanto na Via Sacra Viva quanto na Procissão Luminosa, com a celebração da morte de Cristo”, explicou.

Mais do que comprovar a existência de Verônica (nome que vem do latim e grego: ‘vero icone’, que significa ‘verdadeira imagem’), é se atentar a importância que ela representa. “Verônica ensina que devemos enxugar o rosto dos mais sofredores. É um ato de misericórdia, feito belamente há 60 anos por dona Maria”, salienta o Padre Valmir Davi de Oliveira. O canto de Verônica é um trecho do Livro das Lamentações de Jeremias, referente ao versículo 12 do primeiro capítulo.

Para finalizarmos, nesta matéria fica o agradecimento da comunidade católica borboremense, a senhora Maria Bontempo Gardelim, pelas seis décadas de disponibilidade e amor a semana santa e ao Lamento de Verônica mantendo viva a tradição em nossa cidade.