Do G1- A organização que fez buscas pela brasileira encontrada após mais de 15 dias desaparecida em Paris tem ajudado, desde 2017, na solução de outros desaparecimentos de mulheres na França.

Ao g1, Nellma Barreto, presidente da Associação Mulheres na Resistência de Paris, conta que a entidade já colaborou em dezenas de casos de desaparecimentos no país europeu, ao menos seis deles, inclusive, de outras brasileiras.

Nos últimos dias, o grupo fez buscas por toda a capital francesa atrás do paradeiro da botucatuense Fernanda Santos de Oliveira, de 44 anos. A mulher estava desaparecida desde 6 de maio e foi localizada na segunda-feira (22), com ferimentos nos pés e nos punhos e sem se lembrar do que aconteceu.

“O caso de Fernanda não é o primeiro que acompanhamos. Recebemos muitos pedidos de ajuda. Nós acompanhamos mulheres em várias situações. O grupo foi criado e é voltado totalmente para mulheres e mães solos”, diz Nellma.

A voluntária, que é natural da Bahia, trabalha como mediadora social em associações públicas e privadas de combate à violência doméstica na capital francesa há sete anos. Ela fundou a organização em 2017, depois de um ano atuando nesses locais.

“Nesse tempo, eu senti a ausência de mulheres lusófonas entre as vítimas que iam a essas associações. Elas não chegavam até lá para pedir ajuda”, conta.

Desde então, com a ajuda de mulheres de movimentos sociopolíticos franceses, Nellma têm atendido inúmeros pedidos de socorro. Hoje, a cada dez solicitações que a associação recebe, oito são de brasileiras.

A entidade foi alertada sobre o desaparecimento de Fernanda no dia 11 de maio, seis dias depois do registro do caso, após ter sido avisada pela família da brasileira, e fez um boletim de ocorrência na polícia francesa.

Nos dias 13 e 18 de maio, elas fizeram mutirões para procurar a mulher com a distribuição de cartazes com fotos dela nos principais pontos da capital, como estações e parques.

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Fernanda Santos de Oliveira, de Botucatu (SP), ficou mais de 15 dias desaparecida em Paris, na França — Foto: Arquivo Pessoal

A localização de Fernanda foi muito celebrada pelas mulheres da ONG, segundo Nellma. “Nós estamos muito aliviados, comemorando esse encontro. Nem todos os dias temos a sorte de encontrar os nossos vivos."

A brasileira passou por exames no Unité Médico-Judiciaire do Hospital Hôtel-Dieu e na Enfermaria Psiquiátrica da Prefeitura de Polícia, e deve ser transferida para o Centro Hospitalar Sainte-Anne, que é especializado em psiquiatria.

A irmã mais velha de Fernanda, Maria Aparecida de Oliveira, de 52 anos, que vive em Botucatu, no interior de SP, disse que conversou com a mulher por chamada de vídeo assim que ela foi socorrida. Uma prima da brasileira deve ir à Paris nos próximos dias para acompanhar a situação de perto. A família avalia a possibilidade de trazer Fernanda de volta ao Brasil, já que a situação dela no país ainda é irregular.

Rede de acolhimento

A Mulheres na Resistência de Paris conta com cerca de 15 voluntárias. Além dos desaparecimentos, elas prestam ajuda a mulheres vítimas de violência doméstica, exploração de trabalho e em situação de vulnerabilidade.

“A gente acolhe, orienta e acompanha essas mulheres em qualquer situação, desde ir até a delegacia para registrar boletim de ocorrência, até ajudar na tradução com advogados ou com médicos”, diz Nellma.

O número de atendimentos explodiu após o início da pandemia, segundo Nellma. “Entre 2020 e 2021, atendemos mais de 200 mulheres por ano”, conta. Atualmente, o grupo acompanha cerca de 20 vítimas.

A associação também coordena um projeto de inserção social voltado a mulheres que foram levadas à prostituição em Paris e oferece um curso online de francês para atendidas que exercem subempregos.

“Também temos parcerias com órgãos públicos franceses para ajudá-las a resolver questões como refeição, transporte e matrícula escolar, por exemplo. O objetivo é que o atendimento seja intensivo, rápido, para que a mulher consiga ter autonomia sobre a própria vida”, explica.

O caso

O desaparecimento de Fernanda foi registrado no dia 6 de maio, quando ela saiu do apartamento em que morava, sem documentos e celular, levando apenas uma bolsa de mão, um patinete elétrico e o passaporte. A polícia francesa registrou dois boletins de ocorrência.

Fernanda foi encontrada pela polícia francesa na manhã de 22 de maio no próprio apartamento, em Boulogne-Billancourt, região do subúrbio de Paris, onde morava há pouco mais de um ano. Segundo a irmã dela, a polícia foi acionada por vizinhos que viram a brasileira chegar em casa.

De acordo com Nellma, Fernanda foi encontrada com machucados nos pés e nos punhos e disse ter sido fechada em uma casa abandonada. Além disso, o cartão bancário dela chegou a ser utilizado duas vezes enquanto ela foi dada como desaparecida, uma na última terça-feira (16), e outra no sábado (20). A mulher, no entanto, não se recorda do que aconteceu.

Ainda segundo Nellma, a botucatuense diz que se perdeu ao sair para trabalhar. Ela ainda afirma que recebeu um papel com o endereço da própria casa antes de retornar ao apartamento, mas não se lembra de quem teria dado o bilhete a ela.

Depois de localizada, Fernanda passou por exames de corpo de delito para verificar se ela sofreu algum tipo de violência ou fez uso de entorpecentes. Ela deve ser internada no Centro Hospitalar Sainte-Anne pelos próximos dias, segundo Nellma.

O g1 consultou o Consulado-Geral do Brasil em Paris, que disse, em nota, que "permanece em contato com as autoridades francesas envolvidas, de forma a transmitir à família todas as informações disponíveis".

O órgão também informou que tem atuado para "prover a assistência possível à senhora Fernanda de Oliveira, nos limites de atuação permitidos pela legislação francesa e pelos acordos internacionais pertinentes assinados por Brasil e França".

Motivos do desaparecimento

Mulheres da ONG que ajudava nas buscas por Fernanda disseram que ela poderia estar sofrendo assédio sexual em um dos trabalhos e isso pode ter motivado o desaparecimento. A brasileira trabalhava em um restaurante de culinária portuguesa e mantinha ainda dois bicos como faxineira na capital francesa.

No dia do desaparecimento, em 6 de maio, a brasileira teve um surto. Os bombeiros chegaram a ser acionados, mas ela disse para os agentes que se sentia bem e que não tinha problemas.

"Pode ter sido um surto, em que ela saiu andando, vagando pelas ruas, como também ela pode ter ficado em cárcere privado até esse momento onde, segundo ela, foi entregue um papel com endereço e ela conseguiu chegar até em casa", diz Nellma.
Polícia de Paris emitiu um comunicado para que testemunhas forneçam informações sobre brasileira desaparecida — Foto: Polícia de Paris/Divulgação

Polícia de Paris emitiu um comunicado para que testemunhas forneçam informações sobre brasileira desaparecida — Foto: Polícia de Paris/Divulgação

O g1 questionou o Consulado Brasileiro em Paris sobre atualizações das investigações da polícia francesa, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.

Sonho de morar no exterior

Segundo a irmã, Fernanda sempre falou em trabalhar na sua área de formação fora do país, já que em Botucatu, onde morava antes de ir para a Europa, teve poucas oportunidades. Ela é formada como técnica de enfermagem e tinha curso de radiologia.

"A Fernanda trabalhou por mais de dez anos em uma indústria de Botucatu e, quando saiu, passou a fazer bicos como cuidadora, de motorista para idosos que precisavam ser levados a consultas médicas. E sempre foi muito estudiosa, sonhadora e esforçada", detalha a irmã Maria Aparecida.

Desde que chegou na França, em abril de 2022, Fernanda já conseguiu conhecer Amsterdã, na Holanda, e Ibiza, na Espanha. "Ela sempre me disse que queria viajar, conhecer o mundo", afirma a irmã.

Antes de ir para a França, onde uma prima já vivia, Fernanda tentou o visto para os Estados Unidos, mas não teve sucesso. "Antes de ir para a Europa, ela nunca havia saído do Brasil", revela Maria.

A irmã conta também que Fernanda sempre foi muito apegada aos familiares e tem um filho de 23 anos, que lhe deu um casal de netos, uma menina com três anos e um menino de 11 meses. "O menor ela só conheceu por fotos e vídeos, todo domingo ela falava com eles por vídeo."