Uma pesquisa realizada pela Escola de Enfermagem da USP de Ribeirão Preto (EERP-USP) apontou que a prática regular de meditação pode diminuir a dor crônica em mulheres com Disfunção Temporomandibular (DTM).
O estudo acompanhou 53 mulheres entre 18 e 61 anos ao longo de oito semanas e registrou melhora no limiar de dor, redução de marcadores inflamatórios e benefícios emocionais associados ao estresse e à sensibilidade dolorosa.
A Disfunção Temporomandibular (DTM) é uma condição que afeta as articulações responsáveis por abrir e fechar a boca e os músculos da mastigação. Pode causar estalos, dificuldade de mastigar, dores na mandíbula, cabeça e ouvido, além de impacto na rotina e na saúde mental.
Segundo especialistas, é de duas a três vezes mais comum em mulheres e, quando se torna crônica, tende a alterar mecanismos do sistema nervoso central, ampliando a percepção da dor.
O estudo foi conduzido no Centro de Mindfulness e Terapias Integrativas da USP, e publicado no Journal of Oral Rehabilitation. Nele, os pesquisadores buscaram avaliar como a meditação de atenção plena, o "mindfulness", poderia ajudar mulheres que convivem com o problema.
Segundo a coordenadora da pesquisa, Edilaine Gherardi Donato, a dor crônica afeta a função muscular e os mecanismos de saúde mental. Ela explica que estratégias que unem corpo e mente ajudam a reduzir esse ciclo.
"A dor é um fator que gera sofrimento contínuo e desencadeia estresse físico e emocional. Quando promovemos saúde mental por meio de estratégias que conectam corpo e mente, prevenimos o adoecimento e ampliamos a qualidade de vida".
Rotina de dor crônica impactava sono, humor e relações
Entre as voluntárias está Maria Fernanda Capeli, que convivia com dor intensa na mandíbula e na cabeça, o que afetava inclusive a rotina em casa e no trabalho.
“Quando você chega do dia cansada e aquela dor vem com tudo, isso impacta relações, humor, disposição. A tensão só aumenta”, relatou.
Melissa de Oliveira Melchior, fonoaudióloga e pesquisadora da USP de Ribeirão Preto, explica que esses sintomas são comuns.
“Os principais sinais da DTM incluem estalidos, ruídos articulares, dor na musculatura da mastigação, cansaço para mastigar e dores de cabeça. É uma condição multifatorial e semelhante, por exemplo, à dor crônica nas costas”.
Como foi feita a pesquisa
Parte das mulheres participou de sessões semanais guiadas de mindfulness, além de exercícios diários em casa. O programa teve duração de oito semanas, com práticas que começaram em cinco minutos por dia e chegaram a 30 minutos.
As atividades incluíam exercícios de respiração, consciência corporal e atenção a pensamentos e emoções, além de meditações em diferentes posturas.
Já a outra parte das mulheres integrou o grupo controle e não recebeu nenhuma intervenção durante o mesmo período. Elas foram acompanhadas para garantir que não iniciaram outro tipo de tratamento.
As pesquisadoras compararam exames de sangue e avaliações de sensibilidade antes e depois do período de intervenção.
Para medir a percepção de dor, foi aplicada uma pressão gradual em pontos específicos da face e do corpo, método usado para identificar o limiar doloroso.
De acordo com Melissa, a avaliação do limiar de dor mostrou mudança consistente nas voluntárias que participaram das sessões. Ela destaca que esse avanço foi percebido no dia a dia das mulheres.
“Antes da intervenção, a dor surgia com pouca pressão. Depois das oito semanas, as participantes suportaram mais estímulo até que a dor aparecesse. A diminuição da sensibilidade se refletiu na rotina e na realização das atividades."
Além da melhora clínica percebida pelas participantes, os exames mostraram mudanças biológicas importantes. De acordo com a pesquisa, houve:
Diminuição de marcadores inflamatórios;
Redução do estresse oxidativo;
Aumento de marcadores de neuroplasticidade, o que indica envolvimento cerebral positivo no controle da dor.
O estudo também registrou queda da catastrofização da dor (quando a pessoa concentra toda a atenção no incômodo, o que amplia a sensação dolorosa), além de melhora na regulação emocional e na consciência corporal.
“É uma mulher com dor crônica, mas agora com um corpo menos inflamado. Os marcadores mostram que o organismo respondeu ao processo de atenção plena", afirma Edilaine.
Impacto na rotina e mudança de hábito
Os resultados indicam que a meditação pode ser aliada no tratamento da Disfunção Temporomandibular (DTM), que exige abordagem multidimensional. Embora a dor não desapareça completamente, as participantes passaram a lidar melhor com ela.
“A dor continua existindo, mas deixa de ocupar 100% da atenção. Isso abre espaço para autocuidado e para lidar com pensamentos e emoções negativas”, explica Edilaine, coordenadora da pesquisa.
Para Maria Fernanda, a meditação se tornou parte da rotina. “Tem que levar para a vida. Se não inserir na rotina, não funciona”.
A meditação integra a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) do SUS desde 2017. A técnica pode ser oferecida em unidades de saúde como forma complementar de cuidado.
A proposta, segundo as pesquisadoras, não substitui tratamentos convencionais, mas amplia o cuidado integral.
“A ideia é que a pessoa tenha autonomia para compor seu tratamento com diferentes possibilidades. Não é escolher entre medicação e meditação, mas unir estratégias que façam sentido e promovam saúde de forma integral”, afirma Edilaine.
EPTV