Em um episódio recente do programa de TV americano Saturday Night Live, Colin Jost – um dos apresentadores do quadro Weekend Update – brincou dizendo que, segundo um novo estudo, os homens leem mapas melhor do que as mulheres.

De fato, pesquisadores descobriram que existe uma diferença real na leitura de mapas entre homens e mulheres, mas não pelas razões que as pessoas normalmente imaginam.

A nova pesquisa foi publicada na revista científica Royal Society of Open Science. Ela não encontrou nenhuma vantagem genética que pudesse levar um sexo a ter melhor senso de direção do que outro.

 

Mas os pesquisadores indicam que a causa da disparidade comentada no programa humorístico pode não estar ligada à natureza, mas ao treinamento.

 "É aqui que entra a misoginia", afirmou à BBC o autor do estudo, o professor Justin Rhodes, da Universidade de Illinois Urbana-Champaign, nos Estados Unidos.

"Nós pegamos essa minúscula diferença em que os homens aparecem em vantagem e temos centenas de estudos e pessoas defendendo que é algo biológico", ele conta. "Acho que isso tem implicações culturais."

Em sua análise, Rhodes e seus colegas destacam as falhas relativas às teorias de "superioridade masculina" na orientação espacial e na busca por caminhos. A equipe defende que é a prática que leva ao aperfeiçoamento.

Os cientistas partiram de pesquisas anteriores e incluíram 66 estudos na sua análise. Os dados abrangem 21 espécies, incluindo os seres humanos.

As espécies animais variam da lontra-anã-oriental e da rã-de-folhiço (Allobates femoralis) até o crustáceo Faxonius rusticus (uma espécie de lagosta que vive nos Estados Unidos) e o tuco-tuco-de-talas, um roedor comum no litoral da Argentina.

Os cientistas compilaram os dados de navegação espacial de cada espécie e o tamanho da sua área habitada, onde a espécie geralmente mora e se movimenta.

Eles concluíram que, em todas as espécies, os machos têm melhor senso de direção do que as fêmeas ou não há diferença entre os sexos, com uma exceção: as fêmeas de chimpanzés conseguem se localizar melhor do que os machos.

Ao observar os estudos com seres humanos, os pesquisadores incluíram apenas dados de culturas de subsistência, ou coletoras. Mas esse fenômeno já havia sido observado anteriormente em populações industrializadas ocidentais.

Nas populações em que os machos se dedicam mais a caçar e coletar do que as fêmeas, eles demonstraram ter melhor orientação espacial. Mas não houve diferença entre os sexos nas populações em que machos e fêmeas viajam e coletam igualmente.

Um exemplo são os povos hadza, do norte da Tanzânia. Sua cultura é composta por duas populações diferentes. Em uma delas, os homens são os principais caçadores e coletores e, na outra, homens e mulheres praticam essas atividades igualmente.

A comparação entre os dois grupos hadza foi reveladora, segundo o autor do estudo.

"Quando as experiências eram diferentes", explica Justin Rhodes, "você observava a diferença de desempenho. É basicamente aprendizado. Quando fazemos certas coisas, nós descobrimos a técnica e ficamos melhores naquilo".

Outros fatores também afetam nossa capacidade de localização, como o idioma.

Rhodes e seus colegas sugerem que a questão é a neuroplasticidade. O nosso cérebro se reestrutura com base na nossa experiência em um conceito ou tarefa, gerando novas sinapses.

Rhodes oferece os exemplos de localização quando caminhamos ou nos dedicamos a outras tarefas espaciais, como brincar com blocos de construção infantis. Quanto mais você se dedicar, melhor você se sairá nessas atividades.

"Os homens são simplesmente mais incentivados a essas atividades devido à nossa cultura e, por isso, eles se saem um pouco melhor nelas", explica Rhodes. "Todos os dados sugerem que este seja o motivo."

O pesquisador também observa que, com aplicativos GPS nos nossos celulares, as pessoas da cultura ocidental raramente leem mapas hoje em dia.

Por isso, ele afirma que a diferença na leitura de mapas entre os sexos provavelmente irá diminuir.

Mas os pesquisadores se perguntaram se os homens poderiam ter obtido uma vantagem evolutiva ao longo do tempo.

Nas culturas em que os homens historicamente foram os caçadores e coletores e viajaram mais do que as mulheres, será que eles transmitiram essas habilidades para seus filhos homens ao longo das gerações?

Rhodes explica que esta possibilidade "é falha em dois pontos".

"Primeiro, os dados não a confirmam. Segundo, ela realmente não faz sentido."

Se esse cenário fosse certo, os dados demonstrariam que, nas espécies em que os machos se movimentam mais do que as fêmeas, eles teriam melhores capacidades e vice-versa.

"Examinamos isso em várias espécies e concluímos que não há relação", segundo ele.

Além disso, se essa teoria evolutiva fosse correta, as fêmeas também ganhariam a mesma vantagem evolutiva.

"Basicamente, quando você seleciona um sexo, o outro também recebe essa seleção como efeito colateral, mesmo que possa não precisar daquilo para nada", explica o autor do estudo.

Por exemplo: os homens têm mamilos, que não têm nenhuma função, mas também não causam prejuízo.

O professor afirma que, para que a teoria da vantagem evolutiva faça sentido, os pesquisadores precisam explicar por que as técnicas de orientação espacial são prejudiciais às fêmeas – caso contrário, elas também as herdariam.

No Saturday Night Live, Jost disse que o novo estudo "sugere que os homens são melhores que as mulheres para usar mapas".

E acrescentou: "Enquanto as mulheres são melhores em permanecer em silêncio pelo resto da viagem depois que você diz isso para elas".

"Quando você começa a pensar no assunto, o argumento é simplesmente uma bobagem", afirma Rhodes.

Para ele, a atenção recebida pelo estudo distorceu as descobertas. "Aquilo se distanciou tanto do estudo, é inacreditável."

O pesquisador também indica que algumas pessoas podem não estar satisfeitas com as suas conclusões.

"As pessoas dedicaram suas carreiras a defender essa diferença biológica."

Por isso, Rhodes não ficará surpreso se surgirem novas pesquisas com esse argumento.

"Da minha parte, estou muito confiante de que esta não é uma diferença biológica ou evolutivamente significativa", explica ele.

Segundo Rhodes, as meninas que caçam e constroem mais do que os meninos se sairão melhor nessas atividades.

"Está na hora de definir que isso não tem nada a ver com a biologia em seres humanos. Pode, sim, haver uma diferença na nossa cultura ocidental. E, se você quiser resolver isso, mude essa cultura", conclui o professor.

BBC